Mauro Borba entrevista Carlos Eduardo Miranda: ‘Eae Veinho’!

Foto: Fernanda Chemale
Foto: Fernanda Chemale

Carlos Eduardo “Gordo” Miranda. Descobridor de bandas, produtor de discos, jornalista, músico, produtor de comerciais, expert em rock e gibi. Seu nome está associado a inúmeras bandas gaúchas nos anos 80 e várias bandas nacionais nos anos 90, a partir de sua mudança para São Paulo.

No dia 22 de março (2021) fazem 3 anos que o Miranda nos deixou. Um dia após o seu aniversário em 2018. Reproduzo aqui o texto/entrevista que fiz com ele para o meu livro Prezados Ouvintes (ed Artes e Ofícios, 2001) com um PS adicionando algumas lembranças no dia em que nosso amigo partiu.

No bate papo a seguir, Miranda conta como foi a sua participação em tudo isso.

– Quando começou o teu interesse pela música?

– “Eu entrei na história como fã do rock gaúcho dos anos 70. Eu era moleque. Mr. Lee no rádio, Beto Roncaferro e A Hora do Lobo e antes eu ouvia o Cascalho Time. Eram os meus programas favoritos de rádio. Acho que era tudo na Rádio Continental, também tinha o Vivendo a Vida de Lee. Eu fui no primeiro show do Mr. Lee no Teatro Presidente e achei demais, todas aquelas bandas. O que eu mais gostava era do Hermes Aquino. Eu achava aquilo tudo tão legal que resolvi fazer som também. Quando saiu o disco novo do Bixo da Seda, a gente pensou: isso vai estourar! Eu e o Marcelo Truda assistimos um show deles em Atlântida e ficamos entusiasmados. Foi aí que nós resolvemos montar uma banda. O Cao (Hafner) me convidou pra tocar num festival e eu levei o Truda. Fizemos um ensaio e ficou legal. Levei um outro amigo meu que fazia uma onda de baixo, o Valério Azevedo. Aí surgiu o Taranatiriça em 1978 com influências do Black Sabath, Rush e (curiosamente!) A Cor do Som. Nosso primeiro show foi no Ipa. Acontece que o Valério não tinha instrumento, ele sempre tinha que pedir emprestado e isso dava muito trabalho. Então um dia eu falei pro pessoal, vamos convidar esse carinha que é o dono do baixo, esse negócio de ficar pedindo instrumento emprestado não dá!(Risos). Era o Flávio Santos, que além do baixo ainda tinha carro (mais risos). Daí tiramos o Valério da banda! O Flávio, por sua vez, trouxe o Rodrigo Correia e colocamos mais uma guitarra”.

– Como vocês foram recebidos pelo público e pelas bandas da época?

– “Ninguém respeitava porque a gente não tocava nada mesmo! E na época havia uma espécie de limbo no rock gaúcho. Pouca coisa rolava naquele momento. A Lori Finocchiaro fazia o som dela. (Lori morreu em 93, aos 34 anos, vítima de AIDS. Em 96 foi lançado o CD da Lori F. Band que estava gravado e permanecia inédito). Não tinha lugar pra tocar também. Mas estávamos cheios de vontade e começamos a fazer shows em colégios. O Cao armava uns rolos com os diretórios. Tocamos no Americano, Bom Conselho, Anchieta, Farroupilha. Tinha outra banda, chamada Holandês Voador, que fazia a mesma coisa. Mas o que sustentou a gente muito tempo foi o estouro de Reverber música que foi escolhida para abertura do programa da TVE, o Pra Começo De Conversa…A música já rodava na rádio. Aí tem uma historinha: Eu namorava com a Biba Meira e ela morava ao lado da Rádio Bandeirantes FM, ali na rua José Bonifácio. Eu sempre passava por ali e um dia fui falar com o Ricardo Barão, que fazia um programa de rock na rádio. Ele, e todos vocês, nos deram muita força. Pintou também a Vôo Livre, uma banda de Pelotas que fazia rock progressivo e que o Barão deu muita força também. Nós fizemos vários shows em festas com o Barão”.

Foto: Fernanda Chemale
Foto: Fernanda Chemale

E como foi a passagem do Taranatirça para o Urubu Rei?

– “A gente sentiu que banda sem vocal (o Tara era instrumental, na época) não tinha muito futuro e queríamos fazer um lance diferente. Eu já estava ligado em fazer trilha para teatro, já conhecia o pessoal do Ói Nós Aqui Traveiz (o Paulo Flores) e o Balaio de Gatos. O Urubu surgiu em 82. Era o Castor na bateria, Flávio no baixo, Rodrigo na guitarra e eu no teclado. Tinha o Quindim (Ricardo Cordeiro), que participava no sax. Ele era meio agregado à galera e tocava com uma calcinha enfiada na cabeça, clássico! A gente fazia umas coisas performáticas com o pessoal do Balaio de Gatos. Era um embuste o que a gente fazia, mas era feito com gosto. Ao mesmo tempo era de verdade, era honesto. Acontece que o golpe musical era uma viagem da época, dos Sex Pistols, do Malcom Mclaren! A gente era super techno pop: Devo, Gang of Four, Roxy Music. Rolou aquele show na Assembléia Legislativa que deu o que falar. Quando o público entrou, nós já estávamos tocando no teatro vazio. Eu combinei com alguns amigos que jogassem ovo e tomate na gente. Era o Beto Andrade, o Iotti (Radicci) o Poli, o Antonio Guri, o Alemão Guazzelli, o Jacaré…Era a minha catrefa. Uma corja. Tudo mau caráter (no bom sentido)!!!

E o teu envolvimento com as outras bandas gaúchas que surgiram nessa época, como foi?

– “Eu fiquei sabendo que o Wander tava fazendo uma banda punk com o Gerbase e eu pensei: O que é isso? O Wander eu conhecia como um cara bem freak, cabeludão. O Gerbase era o cara do cinema, da turma mais “cabeça” da cidade. Achei que era onda. Daí, um dia, entrei numa loja ali no Centro, a Free Discos, pra comprar um disco do Madness e pula do meu lado um moleque esquisito com uma calça curta, marrecão, com uma camisa curta também com umas bolas pretas, tudo preto e branco, o cabelo estranho, parecia um cone de cabeça pra baixo. Perguntei quem ele era e o que fazia. O nome do guri: Edu K. Morando há pouco em Porto Alegre, depois de um tempo no Paraguai, ele estava acompanhado do X, o Gustavo, da Justa Causa. Eles me falaram que estavam fazendo um som e eu já lembrei da história do Wander e do Gerbase e, nesse momento, entra na loja o próprio Gerbase, me convidando pra ir no ensaio dos Replicantes. Esse encontro foi histórico. Eu já convidei o Edu pra ir lá em casa rolar um som e quando ele e o Gustavo apareceram, produzidos, de maquiagem, fazendo um som tipo Duran Duran, Classic Noveau, a Biba começou a tocar com eles. Daí em seguida pintou o TNT, o Prisão de Ventre, o ORTN de Esteio, o Atahualpa y us panquis!…Nessa época começaram as gravações de fita demo, os shows no B’52, no interior. E começaram as bandas de fora a fazer shows em Porto Alegre. Sempre uma banda daqui abria o show. O Urubu abriu para o Paralamas, Replicantes abriu para o Camisa de Vênus, o De Falla e os Cascavelettes abriram para o Capital Inicial. E tinha o Julio Reny, que eu considero um precursor de toda a história. Antes de tudo isso que eu falei ele já tinha gravado e eu conheci, na Rádio, Cine Marabá daquela fita Último Verão que considero uma obra prima.

Como foi a decisão de ir pra São Paulo?

Foi por volta de 87. Pintavam umas bandinhas legais. Os Porcos de Escort, Atraque, Graforréia… Pintou a Vortex, uma produtora de vídeo, gravadora e bar ao mesmo tempo, vinculada aos Replicantes. Saíram várias fitas cassete e de vídeo das bandas de Porto Alegre. Foi o que fez o rock sobreviver naquele período porque todo o rock brasileiro começou a entrar em decadência. Eu comecei a ficar deprimido e achando que tava tudo muito devagar em Porto Alegre. Fui pra São Paulo assistir o show do Iggy Pop, reencontrei velhos amigos e fui super bem recebido por músicos e jornalistas. Vi que muita gente me considerava e resolvi ficar. Trabalhei com o Sepultura, fui contratado como jornalista pela revista Bizz, e comecei a receber fitas do Skank, Raimundos, Little Quail, Mundo Livre, Chico Science e comecei a ver que isso ia dar gol!”

E Os Raimundos, como foi que aconteceu?

– “ A Bizz me pediu pra fazer uma matéria sobre o Titanomaquia (disco do Titãs). Fiquei amigo deles e comecei a mostrar as fitas das bandas novas. Eles se entusiasmaram com a idéia de montar um selo. Levou uns oito meses de conversação com a Warner. Ai pintou o “Banguela”. Daí gravamos Os Raimundos e o resto todo mundo sabe”…


Foto: Fernanda Chemale
Foto: Fernanda Chemale

PS.
Ao longo desses quase quarenta anos que convivi mais próximo ou mais distante do Miranda, muitas conversas, shows e risadas pudemos compartilhar. E muita bronca também levei do gordo por causa da “programação” da rádio Ipanema. Ele tava sempre criticando a rádio querendo sons mais “a fuder”. Quando a rádio tocava uns rocks mais comerciais ele criticava mesmo. “Tem que tocar Icicle works velhinho”. Acabei, como todo mundo que vivia em torno da música em Porto Alegre, frequentando a casa do Miranda e desfrutando sua biblioteca de gibis e de sua discoteca de vinis. Ali quase ao lado, morava o colega da Ipanema Reinaldo Portanova, que hoje toca o Relicário do Rock Gaúcho e continua sua imensa admiração pelo DeFalla.

Uma passagem que nunca esqueço do Miranda, foi na tradicional locadora d Espaço Vídeo que existia na av. Vasco da Gama. Eu pego uma fita de um filme que não lembro mais e fiquei analisando. Ouço uma voz atrás de mim dizendo: “isso é tão ruim, mas tão ruim, que é “a fuder”! Rimos muito. E desde então essa frase ficou usual em nossas conversas. Eu e o e o Jimi Joe falávamos sempre, porque servia para muitos casos. Músicas, discos, filmes. No final dos anos 80 rolou uma onda de Santo Daime em Porto Alegre. Uma amiga em comum havia entrado em contato com a comunidade do Daime na Amazônia e estava, de certa forma, representando o movimento na cidade (junto com outras pessoas). Miranda foi conhecer o ritual e a bebida, o chá de Ayhuasca, produzida a partir da fervura do cipó Jagube e da folha Chacrona, encontrados na floresta amazônica. Perguntado sobre o efeito, ele disse: “bah, velho… é a fuder. Mas eu queria ter visto o Santo. Não consegui ver o Santo”.

Em São Paulo lembro de dois encontros legais. Num bar em que eu o Marcelo Ferla fomos porque “teria uns amigos por lá” conversamos animadamente com Miranda e o Flavio Basso, Jupiter Apple. Depois tentamos nos encontrar (eu e o Miranda) durante uns dois dias e não conseguíamos por causa das distâncias, reuniões, trânsito de SP. Até que estou num táxi na av. Paulista e quem eu vejo caminhando na calçada perto do Museu? O Miranda. Desci do táxi e foi uma festa. “era pra sair esse encontro. Tenho aqui um CD de uma banda a fuder, leva pra tocar na rádio”. Disse ele.

Meu último encontro com Miranda foi num evento organizado por outro amigo nosso, o Luis Pedro Ferreira, o Pedrão, do Marketing da empresa Dana que organizou muitos eventos da Orquestra de câmara da Ulbra, entre eles um show da orquestra com várias músicos/bandas do rock gaúcho no teatro da Reitoria da UFRGS. Foi Memorável, com direito a uma apresentação fantástica do Edu K. O show foi registrado em vídeo mas nunca pode ser lançado por questões de direitos autorais. Então o Pedrão fez uma apresentação do vídeo para convidados no Bar Opinião há uns 6 anos atrás. Ficamos conversando um tempão; Miranda, Marcelo Ferla, a atriz Luciene Adami, Pedrão, Jimi. Na saída Miranda convida pra comer um churrasco no Barranco. Respondi que não conseguia mais comer churrasco às duas da manhã. Miranda riu e disse: eu continuo o mesmo, cara, vou comer churrasco essa hora mesmo! Não vi mais o Miranda depois disso. O velhinho subiu a Protásio e se foi.


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